quarta-feira, outubro 08, 2008

O Dia Em Que A Bola Sorriu

“Aiiiiii, que já fiz porcaria!”, brada Soeiro em pleno Estádio Comendador Manuel Oliveira Violas. A bola, matreira, lá se ia a escapar. Mais esta vez.
Era habitual a bola fugir de Soeiro. Cansada de ser vilipendiada e tratada com rudes biqueiradas para a fria bancada de betão, a redondinha foi célere a assinar a papelada de divórcio com Soeiro, ditando assim o fim abrupto de uma relação torta à nascença. Soeiro, irado como um amante traído, canalizou então toda a sua raiva inata para os adversários que galanteavam a pelota com argumentos que o ciumento Soeiro não possuía.

Soeiro talvez pudesse ter sido um bom pedreiro. Os seus pés pareciam dois brutais blocos de granito e o seu espírito determinado era benquisto na indústria da construção civil. Os baldes de cimento olhavam para Soeiro com um misto de fascínio e desejo, mas Soeiro tinha outros planos, como bom vimaranense que era: distribuir a palavra de Afonso Henriques pelos campos de Portugal. À traulitada, pois claro.
Fez-se à estrada. Primeiro, num périplo pelo norte, com uma época em Lixa (que foi lixada) e outra em Fafe (na senda S. Rui Costa), ainda pela candura dos vinte aninhos, ou seja, tendo os ossos por enrijecer e uma técnica assassina por afinar.
E foi a sua preocupação com as afinações que o levou até Elvas, naquela que seria a última época dos alentejanos no top futebolístico nacional. O mentor seria o famosíssimo Paco Bandeira. Malgrado a descida dos elvenses e os dissabores causados por caramelos impróprios para consumo adquiridos à socapa em Badajoz, foi um ano em cheio para Soeiro: os acordes acústicos de Paco Bandeira acicataram a fúria interior de Soeiro, levando-lhe os índices de cólera aos píncaros. Resultado: Soeiro ganhou o reingresso no Vitória de Guimarães dotado de uma irascibilidade notável. O efeito colateral foi desatar às cotoveladas assim que lhe trauteavam a aparentemente calma “Ternura dos Quarenta”.
Quatro épocas em Guimarães, evangelizando os instintos bárbaros do Fundador nas canelas adversárias, serviram de inspiração para alguns cândidos momentos de hooliganismo primário com que os Insane Guys brindaram o país. Foi então que a ilha de Jardim chamou por Soeiro, apostada que estava em traduzir a linguagem bélica de Alberto João em entradas de pés juntos no Caldeirão. Soeiro caiu que nem uma luva no esquema táctico do Marítimo, assim como os oponentes caíam que nem tordos desamparados no relvado perante o ímpeto destravado de Soeiro.
A caminho dos trinta anos, Soeiro cometeu o erro de regressar aonde fora feliz – Guimarães. Por motivos desconhecidos, não chegou a aquecer os pitons de alumínio nas coxas adversárias, partindo daí para Espinho (como o cromo documenta). Em Espinho, na última temporada dos tigres da Costa Verde no convívio dos grandes, foi tigre de papel. A estrela começava a empalidecer.

Restava-lhe um último grande suspiro, a última hipótese de ajustar contas com essa apaixonante figura geométrica desprovida de arestas: a bola. O local: Felgueiras, terra de forte tradição caribenha, dos despudorados Ferraris amarelos à porta da fábrica de calçado e, acima de tudo, de recontros sangrentos ao pôr-do-sol, à boa moda do faroeste.
Soeiro estava nas últimas, devastado como um guerreiro solitário que sabe da aproximação da última batalha. A bola, altiva e esquiva, mulher segura de si, lá estava de olhos postos nos jeitosos médios ofensivos que Soeiro tanto abominava. Soeiro tentou a derradeira reconciliação. Abordou-lhe junto ao círculo central, quando ela passeava colada ao pé de um desses fantasistas que abundam por aí.
- Volta para mim, bolinha. Tu sabes bem que te amo. Sempre te amei… - suplicou Soeiro.
A bola nem olhou, extremando a sua indiferença. Soeiro tentou outra vez.
- Eu posso ter sido indelicado… eu posso ter partido uma ou outra caneleira desnecessariamente… eu posso ter-te tratado como tu não merecias… mas só Deus sabe como tu foste o meu grande amor… perdoa-me, bolinha. Perdoas-me?
Nessa altura, o esférico pareceu condescender; inflectiu na direcção de Soeiro, Soeiro ajeitou os lábios e o beijo entre os dois estava iminente. No entanto, surpresa das surpresas, a bola, delicada e fugidia, rolou por debaixo das pernas de Soeiro. O desespero assaltou Soeiro.
- NÃÃÃO!!!! Toda a vida a fugir de mim!!! Porquê?!?!?
Incapaz de conter a sua desilusão, Soeiro tombou instintivamente para o chão, de pernas esticadas para a frente, com a tensão dos nervos a percorrer-lhe o corpo. As suas chuteiras acertaram nas pernas do talentoso médio que o ludibriara e este deu uma pirueta no ar para o chão. O apito soou, houve aglomeração de jogadores à volta de Soeiro, que mal podia acreditar. Prontamente, o cartão saiu do bolso do juiz e sorriu-lhe outra vez, como velho conhecido que era. O destino pregara uma rasteira a Soeiro, logo a Soeiro, que tantas rasteiras pregara por aí.
Há quem diga que a bola sorriu jocosamente nesse momento. Há quem diga que a bola já não sorri desde que a família Vidigal começou a dar cartas no futebol luso.

7 comentários:

Ricky_cord disse...

Bela prosa. Realmente o Soeiro era um bom distribuidor de fruta

Anónimo disse...

Cm é q ele queria q a bolha lhe perdoasse??
Com uns tacos daqueles isso era impossivel...

P. disse...

Espero que a palavra "Bolinha" não tenha aparecido ao acaso. Passo a explicar: Bolinhas foi mesmo jogador do Espinho. Talvez se tenha cruzado com Soeiro...

http://www.zerozero.pt/jogador.php?id=30881&search=1

Anónimo disse...

Que relação tempestuosa e turbulenta de amor não correspondido e paixão incompreendida, com carícias e sopapos de deleite de permeio.
Soeiro, para mim serás sempre o primeiro.

Se o Renivaldo Pereira de Jesus fosse branco, tivesse um penteado meio azeiteirola, crescesse uns cms e jogasse a trinco, diria que seria um clone do Soeiro, dado o toque de bola a pender para o atijolado.

@vidalpinheiro: que tal o Salgueiral no passado fim de semana? O Falmeida voltou a molhar o biscoito na sopa?

Anónimo disse...

Infelizmente, acho que pelas bandas da fénix renascida não hove festa grossa.

O Falmeida não molhou o croquete na mostarda! Aliás ninguém molhou...

Faltou a velocidade ultra-sónica do Vinha, e o "sentido posicional para melhor rebentar uma canela" do Cao também ainda não está no seu melhor...

Mas haja fé!! melhores dias virão, com muito mais trabalho para o pessoal médico do S.João. O Cao trata disso...

Abraços e Jeans Paulistas para todos.

Ivo

Gino Magnacio disse...

Tem estado cinzento para os nossos lados, a razao pela qual perdermos segundo os associados tera sido os atletas serem demasiado bons para a divisao que disputamos, ou seja o mesmo problema do Trofense.... mas segundo "O Jogo" de hoje "O poder de Reguila esta com Tulipa".

Desde ja deixo outra noticia do JOGO

"A rapidez pelo corredor esquerdo é uma das armas do Guimarães, bem personificada pelo brasileiro Luciano Amaral, o rambinho da equipa. A alcunha atribuída pelos companheiros assenta que nem uma luva porque contrariando a compleição física aparentemente frágil mostra-se um verdadeiro lutador em campo." "Rambinho ataca"

Anónimo disse...

E completa-se um círculo assim meio abananado. É lixá-lo que ele volta a colar.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...